quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Obras de arte nas fronteiras do mundo


As obras de arte de hoje não têm mais as suas origens nas fronteiras de um mundo de povos e nações históricas. Pertencem à universalidade da civilização mundial, organizada e projectada pela Técnica, a cujas consequências nefastas urge colocar uma “pausa final”.
Dizer “não” à alienação, à decadência do mundo físico e espiritual hodierno é, seguramente, uma obrigação estrita de quem tem consciência plena dos limites imperativos a que se deve submeter o sentido ético associado ao poder das extraordinárias invenções humanas.
É neste âmbito, malgrado, que se decide sobre o modo e as possibilidades do estado de ser do homem, sobrevivente num Mundo historicamente determinado pela pura tecnicidade degenerativa da relação entre as coisas, desenraizado do “Astro Errante” (expressão utilizada por Edgar Morin como sinónimo do Planeta Terra), onde apenas mora e jamais habita, descarnado das suas origens: «(...) Já só temos relações puramente técnicas. Já não é na Terra que o homem hoje vive. (...) a técnica arranca o homem da Terra e desenraíza-o cada vez mais (...) Não é preciso nenhuma bomba atómica: o desenraizamento do homem já está aí. A engrenagem mais ampla da técnica moderna encerra a inter-relação do homem com o mundo e a terra desbravada e desamparada, uma vez que esta sociedade industrial existe no solo do estar-encerrado no âmbito dos seus próprios poderes (...) Já só um Deus nos pode ainda salvar. Como única possibilidade, resta-nos preparar pelo Pensamento e pela Poesia uma disposição para o aparecer desse Deus ou para a ausência do deus em declínio; preparar a possibilidade de que não (...) pereçamos perante o Deus ausente” .

Isabel Rosete

Arte versus técnica: a salvaguarda da Terra

«O declínio espiritual da terra está tão avançado que os povos ameaçam perder a última força espiritual que (no que concerne ao destino do “Ser) não permite sequer ver e avaliar o declínio como tal. Esta simples constatação nada tem a ver com um pessimismo cultural, nem tão-pouco, como é óbvio, com um optimismo; pois o obscurecimento do mundo, a fuga dos deuses, a destruição da terra, a massificação do homem, a suspeita odienta contra tudo o que é criador e livre, atingiu, em toda a terra, proporções tais que categorias tão infantis como o pessimismo e o optimismo já há muito se tornaram ridículas.»*

Martin Heidegger é talvez o mais significativo pensador ecologista alemão defensor da “tecnofobia”, mas apenas no sentido em que denuncia a mecanização como vil, interesseira, inclinada apenas ao lucro e, sobretudo, desumanizante: a tecnologia, tal como hoje a conhecemos, na sua vertente degenerativa – digamos que o problema da técnica não reside propriamente na técnica em si mesma, mas no seu modo de aplicação e nos fins para quais é dirigida pelo homem moderno, nomeadamente, a manipulação inconsequente dos fenómenos naturais – conduz à devastação da Natureza, à massificação sufocadora da criatividade, à estandardização do comportamento e da cultura, bem como à banalização da existência do homem e de todas as coisas, animadas ou inanimadas.

Heidegger convida-nos a pensar a questão da Arte em estreita ligação com a questão da Técnica e em função da questão da sua origem. Faz-nos ver a necessidade imperativa de dar esse "passo-atrás", o único caminho capaz de conduzir a Humanidade transviada ao rememorar do acontecimento genesíaco de todas as coisas. Também, ao início da aventura primeira do Homem com o Ser, ao começo do começo da união do Pensar e do Ser, guiados pelas palavras essenciais, em cujo âmago auscultamos o destino historial do Ser e da essência do Homem.
Devemos compreender o porquê desse caminhar retrospectivo enquanto a única alternativa possível de nos colocar, de novo, na presença da «Grande Arte», o fio de Ariana da nossa postura sobre o nosso estar-aí projectante num Mundo e numa Terra que temos por obrigação preservar, e não mais continuar a des-estruturar em prol dessa ambição desmedida imposta pelos "Tempos Modernos", como lema vital para alcançar o tão apregoado progresso geral da Humanidade, amiúde mais sinónimo de destruição e de des-equilíbrio ecológico, do que de construção e de edificação de uma Existência qualitativamente mais próspera.


*Heidegger, EM, p. 46. Mais à frente, na página 52 desta mesma obra, o filósofo reforça esta ideia, afirmando: «na Terra e em torno dela, acontece um obscurecimento do mundo. Os acontecimentos essenciais desse obscurecimento são: a fuga dos deuses, a destruição da Terra, a massificação do homem, a primazia do medíocre».

Isabel Rosete
«Artista de ontem e de hoje,
que é a arte?
Não me respondeis.
Dissimulai-vos,
adormeceis, bem vejo.
Mas gritai, acordai,por Júpiter,
pai dos deuses!
Ensinai-me de uma vez o que é a arte.»
Irene Lisboa

Esse grande e eterno pintor de todos os tempos, Van Gogh…

Não sei se foi propriamente um pintor da «Renovação», mas que tentou renovar-se, sempre, durante a sua vida tão curta e tão atribulada, disso tenho a certeza.
Foi, sem dúvida, o pintor da Terra, da salvaguarda da Natureza, no seu estado originário; o pintor do Sol, de um amarelo muito especial, que também o iluminou, até ao derradeiro dia do fim da sua vida.

Isabel Rosete