quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Arte versus técnica: a salvaguarda da Terra

«O declínio espiritual da terra está tão avançado que os povos ameaçam perder a última força espiritual que (no que concerne ao destino do “Ser) não permite sequer ver e avaliar o declínio como tal. Esta simples constatação nada tem a ver com um pessimismo cultural, nem tão-pouco, como é óbvio, com um optimismo; pois o obscurecimento do mundo, a fuga dos deuses, a destruição da terra, a massificação do homem, a suspeita odienta contra tudo o que é criador e livre, atingiu, em toda a terra, proporções tais que categorias tão infantis como o pessimismo e o optimismo já há muito se tornaram ridículas.»*

Martin Heidegger é talvez o mais significativo pensador ecologista alemão defensor da “tecnofobia”, mas apenas no sentido em que denuncia a mecanização como vil, interesseira, inclinada apenas ao lucro e, sobretudo, desumanizante: a tecnologia, tal como hoje a conhecemos, na sua vertente degenerativa – digamos que o problema da técnica não reside propriamente na técnica em si mesma, mas no seu modo de aplicação e nos fins para quais é dirigida pelo homem moderno, nomeadamente, a manipulação inconsequente dos fenómenos naturais – conduz à devastação da Natureza, à massificação sufocadora da criatividade, à estandardização do comportamento e da cultura, bem como à banalização da existência do homem e de todas as coisas, animadas ou inanimadas.

Heidegger convida-nos a pensar a questão da Arte em estreita ligação com a questão da Técnica e em função da questão da sua origem. Faz-nos ver a necessidade imperativa de dar esse "passo-atrás", o único caminho capaz de conduzir a Humanidade transviada ao rememorar do acontecimento genesíaco de todas as coisas. Também, ao início da aventura primeira do Homem com o Ser, ao começo do começo da união do Pensar e do Ser, guiados pelas palavras essenciais, em cujo âmago auscultamos o destino historial do Ser e da essência do Homem.
Devemos compreender o porquê desse caminhar retrospectivo enquanto a única alternativa possível de nos colocar, de novo, na presença da «Grande Arte», o fio de Ariana da nossa postura sobre o nosso estar-aí projectante num Mundo e numa Terra que temos por obrigação preservar, e não mais continuar a des-estruturar em prol dessa ambição desmedida imposta pelos "Tempos Modernos", como lema vital para alcançar o tão apregoado progresso geral da Humanidade, amiúde mais sinónimo de destruição e de des-equilíbrio ecológico, do que de construção e de edificação de uma Existência qualitativamente mais próspera.


*Heidegger, EM, p. 46. Mais à frente, na página 52 desta mesma obra, o filósofo reforça esta ideia, afirmando: «na Terra e em torno dela, acontece um obscurecimento do mundo. Os acontecimentos essenciais desse obscurecimento são: a fuga dos deuses, a destruição da Terra, a massificação do homem, a primazia do medíocre».

Isabel Rosete

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